. blog de Fabio Camarneiro

assine

arquivos

29 February 2016

academy awards 2016

O regreso (The Revenant, Alejandro G. Iñárritu, 2015)

Por que escrever uma crônica sobre os prêmios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles se o autor a) não assistiu à cerimônia de premiação e b) sequer viu todos os filmes indicados nas 24 categorias?


Talvez porque os prêmios sejam o assunto do dia, talvez porque pessoas que não são normalmente ligadas ao cinema param por um instante ao menos para saber quem levou tal ou qual estatueta.


Em primeiro lugar, é preciso dizer que esta crônica surge como um diálogo com críticos e amigos que postaram ideias (às vezes bem melhores que estas) em suas páginas no facebook. Agradeço a Alex Antunes, Bruno Andrade, Eduardo Valente, Fabio Yamaji, Fernando Oriente, Gilberto F. Silva Jr., Laura Loguércio Cánepa, Leandro César Caraça, Marcelo Miranda e Paulo Santos Lima, entre outros, por já haverem levantado algumas destas questões.


I.
O que vale o Oscar? Não vale nada. Ou, talvez, valha muito. É quase certo (mas não conheço números sérios sobre isso) que uma indicação ou o prêmio parecem beneficiar a carreira dos filmes, seja nas salas de cinema, seja em outras janelas de exibição. Quase todo mundo deve ter conhecido alguém que resolveu - com ou sem sucesso - fazer alguma maratona como "ver todos os vencedores de melhor filme" ou "lembrar de todos os vencedores de melhor ator". Uma indicação ou premiação certamente coloca o profissional ou o título no patamar de celebridade. Mas que valores norteiam essas escolhas? O que há em um "melhor filme" para que ele receba o Oscar?

Não há resposta simples a essa pergunta. Como se trata de um prêmio da indústria estadunidente para a indústria estadunidense, existem vários problemas a serem considerados: em primeiro lugar, a auto-celebração: premia-se, preferencialmente, quem tenha um currículo de "serviços prestados" - como Stallone, que não venceu, ou DiCaprio, que venceu. Ou ainda Ennio Morricone, que, se em Os oito odiados não chegou perto de suas obras-primas, merecia, aos 87 anos, levar pelo "conjunto da obra".


O Oscar parece apontar como a indústria de cinema enxerga a si mesma. Nas últimas premiações, vimos os mexicanos dominarem nos quesitos diretor (Cuarón e Iñárritu) e fotografia (Lubezki). É a velha questão da imigração: todos são aceitos, desde que consigam emular o tradicional modelo norte-americano e a ele adicionar uma dose de renovação. Gravidadecomo já escrevemos aqui - é um dos melhores exemplos de filme sobre a ideia de reciclagem, essencial para a indústria cultural. Desta vez, Iñárritu realizou um filme sobre a conquista do território americano que começa com um massacre de brancos por indígenas e termina com uma troca de olhares entre o branco colonizador (aculturado) e o chefe Arikara. Moral da história: no conto de fadas da formação dos EUA, existiriam bons e maus colonizadores, bons e maus indígenas, assim como existiriam, por exemplo, mexicanos que chegam aos EUA para celebrar os grandes valores "americanos" em outros que tentam questioná-los. (Antes de sermos mal interpretados, ressaltamos que a questão da imigração nos EUA - ou a dos refugiados na Europa - é séria demais para ser vista como um enredo que separa os "bons" e os "maus".)

No fundo, parece que Iñárritu ganhou sua segunda estatueta dourada principalmente por conta da cena, logo no início, do ataque Arikara. Com uma grande quantidade de elementos em quadro, todos em frenético movimento (e sempre acompanhados pela câmera): cavalos, água, efeitos visuais de flechas entrando na carne ou de corpos sendo dilacerados a violentos golpes. Uma ópera gore de um virtuosismo que, ao que parece, leva a lugar algum. Enquanto isso, os vários prêmios técnicos de Mad Max: Fury Road (edição, direção de arte, figurino, maquiagem, edição de som e mixagem de som) revelam uma estética mais "equilibrada": ao invés de gastar todos os seus cartuchos nos primeiros minutos, George Miller constrói um filme que parece crescer o tempo todo, avançando inexoravelmente como os carros avançam no deserto pós-apocalíptico da trama. Para um exemplo da maneira meticulosa com que Miller compõe seus planos e como o filme é magistralmente montado, sugiro o comentário do sítio virtual VashiVisuals.



II.
O que entra em jogo em uma premiação dita "técnica"? Além do já citado prêmio pelo "conjunto da obra", é sempre difícil avaliar algumas categorias. Este ano, por exemplo, não parecia haver, entre os concorrentes a fotografia, quem pudesse ter uma vitória "injusta". Talvez o filme de Iñárritu tenha levado este prêmio pela importância que as imagens criadas por Lubezki para o conceito geral do filme, ressaltando cenários deslumbrantes, filmados de uma maneira muitas vezes "etérea" (o que gerou uma exagerada comparação com a obra de Andrei Tarkóvski). Tais imagens adicionam um caráter épico (ou de epopeia) a um enredo que beira o inverossímil e se apoia em longas perseguições ou em cenas dignas de grand guignol. Sem essa elaborada concepção visual, talvez o sucesso do projeto como um todo fosse outro, e os "vazios" das paisagens evidenciassem muito mais o próprio vazio que permeia todo o conceito do longa.

Quando se fala em ator ou atriz, seja principal ou coadjuvante, também é quase certo que grande parte dos concorrentes poderia vencer com justiça. Em ator coadjuvante (talvez um dos prêmios mais polêmicos deste ano), Mark Rylance criou uma espécie de esfinge em Ponte dos espiões, em um personagem cheio de contenção e ambiguidade (e que, ainda assim, conquista a afeição da plateia). Não assistimos a Creed, mas Stallone parecia merecer pelo conjunto de vezes em que interpretou o mesmo Rocky Balboa... Outro favorito era Tom Hardy que, em O regresso, conseguiu criar o único personagem cheio de ambiguidade da trama: nem bom nem mau, trata-se de um homem ferido que acreditava piamente fazer o melhor para sobreviver em um território inóspito. Sua condenação, ao fim do filme, é a vitória do bom e velho maniqueísmo hollywoodiano.


Se O menino e o mundo não tinha chances reais frente a Divertida mente, é menos pelas inúmeras qualidades da animação brasileira que por uma espécie de supremacia dos modelos consolidados - que, também eles, possuem inegáveis qualidades. Escolhe-se o mais "óbvio" frente a algo novo, que parece questionar ou talvez até mesmo subverter valores consolidados. É justamente esse caráter "inclassificável" do filme de Alê Abreu que talvez seja sua maior força. E a simples indicação já representa uma espécie de vitória, devido à divulgação do filme no exterior e ao fortalecimento (que esperamos, seja efetivo) da animação brasileira como um todo. Sobre isso, Sérgio Rizzo escreveu um texto na Folha de S.Paulo.



III.
Spotlight? Uma apenas "correta" (palavra que talvez não diga nada a respeito do filme em si) trama de jornalistas que revelam um grande esquema de pedofilia ligado a sacerdotes da Igreja Católica. Tem muito boas atuações, uma condução segura (aquela impressão, que citamos a respeito de Mad Max, de que o filme avança em linha reta, prendendo assim o espectador) e um "grande tema". (Mas, ao invés da contundência das imagens de George Miller e do fotógrafo John Seale, uma expectativa de que a forma "desapareça" sob os "conteúdos".)

A comunidade judaica (maioria na indústria americana) deve ter se sentido duplamente gratificada em eleger Spotlight: condena a pedofilia (parecendo assim, defensora das grandes causas) e, ao mesmo tempo, cutuca o Vaticano. Lado a lado com Todos os homens do presidente (Alan J. Pakula, 1975), o filme de Tom McCarthy ficará como o registro do que poderia ser o jornalismo investigativo (ou, talvez, resista como um registro arqueológico do que ele um dia foi). Sobre o vencedor de melhor filme, alguns bons textos - em que pouco se fala de cinema e muito de jornalismo -, dos quais destaca-se 9 lições que "Spotlight" te ensina sobre o jornalismo, no El País.

Da cerimônia em si, a ausência (aparentemente vergonhosa) de Manoel de Oliveira no obituário, os vestidos das vedetes no tapete vermelho, os números musicais, as gafes dos apresentadores, o conteúdo dos textos de agradecimento ou a performance de Glória Pires na transmissão brasileira, não podemos discorrer. Da polêmica ausência de negros entre os indicados, deixamos uma palavra de solidariedade e engajamento aos artistas que, liderados pela carta aberta de Spike Lee, fizeram necessário barulho sobre tão importante questão.

Para concluir, algumas questões que não querem calar. Alguém ainda se lembra dos vencedores do último Oscar? Alguém lembrará desses, que agora saem vencedores, no ano que vem? Por que nos importamos tanto com esse prêmio em que sobra o glamour do star system e do mainstream e, quase sempre, falta conexão com os temas da realidade ou com um cinema com mais estética e menos fogos de artifício? Nada contra os fogos de artifício! Eles podem ser bonitos, às vezes apenas tolos, mas passam rápido, brilham por um instante efêmero e logo desaparecem. Por que dar tanta importância a eles?

-

2 comments:

Peri said...

Fala Fabio, tudo bom?

O Morricone ganhou por conjunto da obra ja em 2007.

Abraço
Peri

Fabio Camarneiro said...

Sim, Peri, você tem razão! Ele recebeu um Oscar honorário em 2007. Eu me referia aos prêmio regulares que acabam funcionando como "prêmios honorários". (Quando se tenta premiar uma carreira através de um prêmio por um filme específico.)

creative commons

followers

marcadores