De tempos em tempos, os vampiros voltam à moda. Antes dos dilemas adolescentes da série Crepúsculo, o sucesso de venda dos romances de Anne Rice, no final dos anos 1980, reacenderam o interesse pelos bebedores de sangue. Ondas de interesse se alternam com um certo esquecimento dos habitantes da noite.
Em Amantes eternos, Jim Jarmusch está longe tanto de Anne Rice quanto das molecagens de Crepúsculo e parece prever o encerramento desse ciclo. Seus vampiros são decadentistas um tanto esnobes a viver o tédio e as tensões de (mais um) fin de siècle, enquanto antecipam o ocaso - ambiental e cultural - da humanidade.
São uma elite cultural, cultos e elegantes, que dispõem daquilo que poucas pessoas hoje (especialmente aquelas sem recursos financeiros) possuem: tempo. E usam-no para refinar seu gosto musical, para apreciar a madeira de uma guitarra, para ler poesia em diversos idiomas, para conhecer física, os nomes científicos de animais e plantas, para apreciar a arquitetura de uma Detroit decadente...
A cidade, que por décadas sediou a produção de automóveis dos EUA, sede das gravadoras Motown e Stax, aparece como uma cidade fantasma. O capitalismo, "força da grana que ergue e destrói coisas belas", eliminou Detroit do mapa da economia norte-americana; "sugou o sangue" da cidade e deixou-a em escombros... Nesse deserto de ruas desertas e fábricas abandonadas, pela janela do carro, o casal de vampiros observa...
O sangue que os alimenta chega através de um médico em um hospital. Até perto do final do filme, dinheiro não é problema para os vampiros. Grandes montes de dinheiro são trocados por guitarras, pelos pacotes de sangue... Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton) - irônica referência ao Gênesis bíblico - permanecem refestelados em seu convívio; ele a flertar com a ideia da morte e a reclamar da decadência da humanidade - que são chamados de "zumbis". Até que um novo elemento chega para destruir esse ambiente aristocrático, apartado do resto do mundo: Ava (Mia Wasikowska), irmã de Eve.
Entre os vampiros mais velhos e a adolescente, cria-se uma espécie de "choque de gerações". A fruição e a permanência daqueles são abalados pela urgência e pela destruição desta. Os valores aristocráticos do casal são questionados e mesmo ridicularizados. É possível que Ava, quando não está escolhendo vítimas para lhes beber o sangue, gaste seu tempo olhando a cidade de Los Angeles e assistindo aos dramas sentimentais da família de vampiros da saga Crepúsculo... sem levar nada daquilo a sério. Após resolver a bagunça que Ava cria atrás de si, agora expostos aos olhares do mundo exterior, o casal resolve retornar à Tânger, no Marrocos.
Sedentos, eles vagam por ruas antigas, até se depararem com uma apresentação da cantora libanesa Yasmine Hamdan. É em Tânger, sob uma lua de neon, que eles avistam um casal de jovens, e partem para o ataque, que é interrompido pela subida dos créditos.
Jarmusch vê a América dividida entre a decadência econômica de Detroit e a decadência cultural de Los Angeles. Seus vampiros são, ao mesmo tempo, membros de uma elite e párias... A morte, bem como o renascimento, estão na África setentrional, nas trocas culturais que a América e a Europa precisam realizar no século XXI para se manterem relevantes. A câmera que gira no começo do filme, no mesmo compasso de um disco de vinil, consegue unir as ideias de indústria cultural com a antiguidade de um alaúde e a arquitetura de um quarto no Marrocos...
É da mistura que sobreviverão os vampiros de Amantes eternos. Amantes das artes, mas também das viagens, das trocas, que só são realizadas por aqueles que dispõem de montes de dinheiro que compram passagens aéreas (e, dizem alguns, também a eternidade).
Abaixo, o trailer oficial:
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1 comment:
Excelente! Dá até vontade de ser vampiro ;)
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