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01 April 2014

alemão (2014)


Existem dois filmes em Alemão: o que ele parece ser e o que ele verdadeiramente é. Sobre as aparências - esse conceito tão importante para o cinema -, é necessário dizer que, ao contrário do que parece, o mais recente filme de José Eduardo Belmonte não trata da invasão do Complexo do Alemão por forças do governo. Mero pano de fundo, a iminente entrada de forças militares na favela funciona mais como deadline dramático do que como preocupação histórica ou sociológica.

A verdadeira preocupação do mais recente filme de José Eduardo Belmonte são cinco homens, todos policiais, amotinados em uma pizzaria de periferia e a maneira como eles se comportam em uma situação-limite. As características de cada um deles os aproximam (alguns mais, outros menos) do estereótipo: há o garoto de classe média, educado e idealista, teoricamente preparado para enfrentar os imprevistos (Caio Blat); há o homem agressivo, espécie de justiceiro que não se importa em fazer justiça com as próprias mãos, ao mesmo tempo em que se imagina como bastião de julgamento e moralidade (Milhem Cortaz); há uma espécie de classe média pragmática (talvez corrupta), que pouco se revela e pouco se envolve nas situações, exceto quando vislumbra ganho pessoal (Gabriel Braga Nunes). E há dois personagens um pouco mais complexos do que os anteriores (mas não necessariamente melhor desenvolvidos pelo filme): uma espécie de "policial funcionário público", que anseia pela menor quantidade possível de problemas - mas que sente um certo orgulho de cumprir suas "funções básicas", como quando diz que "a pizza era boa" - (Otávio Müller); e há um negro, oriundo da própria favela, que vive "o pior de dois mundos": como trabalha disfarçado, é oprimido pela polícia; sua origem social (e sua cor de pele) provoca, imediatamente, a desconfiança de alguns de seus colegas policiais e, sendo policial, é perseguido pelos bandidos, apesar de sua origem (Marcello Melo Jr.).

Parte da crítica identificou algo de western no filme de Belmonte, criando vínculos com Onde começa o inferno. Mas o filme de Hawks trata da importância do sentimento de comunidade e de amizade em um grupo amotinado em uma delegacia. O grito dos mosqueteiros de Dumas, "um por todos e todos por um", resumiria os valores do mundo hawksiano. Em Alemão, estamos mais no "cada um por si", na constante desconfiança, no desejo de, antes de mais nada, salvar a própria pele. Se há algo de western, é a filiação do personagem de Marcello Melo Jr. com os de Rastros de ódio, de John Ford: personagens que parecem trair suas próprias origens, que existem em interstícios culturais, ora ali, ora lá, às vezes nem aqui nem lá, e que, se não descobrem uma posição mais confortável para sobreviver nessa aparente duplicidade, terminam por sofrer em dobro.

A presença das UPPs do Rio de Janeiro nas páginas dos jornais parece conferir "pertinência" ao filme, mas cabe a pergunta: o que se pode aprender de novo a respeito da invasão do Complexo do Alemão? A resposta: praticamente nada. Até o momento, o grande filme sobre as UPPs segue sendo Morro dos Prazeres, de Maria Augusta Ramos. A "pertinência" está em outra parte do noticiário, na repressão às manifestações populares, na truculência das forças do governo, nas campanhas pela desmilitarização da polícia. O tema ao qual Alemão parece tentar responder não é a invasão do complexo do Alemão, mas sobre a identidade da polícia brasileira. Mesmo assim, não há resposta clara, apenas cinco retratos, cinco metáforas possíveis para a figura do policial.

Do lado dos bandidos, a incompreensão é ainda maior. O chefe, interpretado por Cauã Raymond, carece de construção dramática e parece uma contradição entre o sonho consumista (veste-se como um manequim de loja de artigos esportivos, com conjunto completo da Adidas) e a crise existencialista. Os demais bandidos são clichês, mas, paradoxalmente, interpretados com grande impressão de verdade. É preciso afirmar que Belmonte, mesmo em seus piores momentos, sabe tirar uma interessante intensidade de seus intérpretes. Além disso, a mise-en-scène é eficaz e a perseguição à motocicleta, logo nos minutos iniciais, parece um tour de force endereçado aos que pensam que "não se faz filme de ação no Brasil". Faz-se sim, e Belmonte até que se sai bastante bem, mas esse filme de ação dura alguns poucos minutos e, também por questões orçamentárias, voltamos ao filme de huis clos, e aqui vem a principal referência do filme em sua construção narrativa, admitida pelo próprio cineasta: o Assalto à 13ª DP, de John Carpenter.

Sobre a fortuna crítica:

Em seu blog, Inácio Araujo aponta problemas no roteiro (ressaltando a presença de "buracos" na narrativa) e na mise-en-scène (que seria muito "pesada", não deixando o filme "respirar"). Talvez o excesso apontado por Inácio esteja menos no que ele aponta e mais na trilha dos irmãos Garbato, que "pesa a mão" em certas cenas e tem efeito didático.

Em seu blog, Luiz Zanin Oricchio elogia o filme, mas também ressalta os problemas do roteiro.

Na Ilustrada, Cássio Starling Carlos escreve que, apesar de partir de uma "boa ideia", uma das principais deficiências do filme seria a construção caricatural de seus personagens. Como tentamos elucidar, isso talvez seja, ao mesmo tempo, uma das forças do filme de Belmonte.

Em seu blog (em texto também publicado na Ilustrada), Marcelo Coelho demonstra boa sensibilidade aos elementos de estilo do filme e elogia o desenvolvimento dos personagens, o uso da construção sonora como elemento de tensão (a esse respeito, discordamos), mas também aponta para algo que podemos chamar de "incerteza ideológica": como se o filme não soubesse muito bem sobre o que, afinal, está tratando (a esse respeito, concordamos).

Um dos melhores textos sobre o filme é de José Geraldo Couto, em seu blog, que trata das tensões entre o filme de gênero e uma proposta mais autoral de José Eduardo Belmonte. Zé Geraldo é um dos mais sensíveis críticos de cinema de sua geração. Mesmo assim, a relação entre "gênero" e "autoria" ainda mereceria mais nuanças.


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