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13 November 2013

o exercício do caos (2013)


O exercício do caos é o longa-metragem de estreia de Frederico Machado, uma das figuras mais ativas do cinema brasileiro contemporâneo: criador da Lume Filmes - distribuidora de filmes e também selo de DVDs (com catálogo expressivo, que vai de Robert Altman a Kenji Mizoguchi, de Henry Hathaway à coleção Cinema Marginal Brasileiro), organizador do Festival Lume em São Luís do Maranhão, que chega este ano à sua terceira edição, organizador do livro Os filmes que sonhamos (que conta com textos de alguns críticos brasileiros; entre eles, o autor deste blog)...

Aparentemente, só faltava a realização no currículo de Fred. E, de uma vez, ele lança um filme em que aparece como diretor, roteirista, produtor e diretor de fotografia.

Uma das temáticas mais evidentes de O exercício do caos remonta ao documentário e ao cinema novo: o trabalho, as relações duras (ou endurecidas) entre as pessoas do interior do sertão, a plantação da mandioca... Porém, outros elementos surgem, com igual força: o mágico, o invisível, o não-dito. Uma igreja emoldura o filme, deixando mais explícita essa atmosfera de liturgia. No mesmo caminho, está a escolha das músicas: Béla Bartók e Alfred Schnittke, principalmente.

O filme se divide em três partes: "Exercício", "Limbo" e "Caos", e tem como protagonistas um pai e suas três filhas adolescentes. Ecos e repetições fazem parte dessa estrutura espelhada: uma coisa pode ser apenas o reflexo de outra (e algumas das cenas mais plasticamente intensas se dão em uma espécie de regato, em que a superfície das águas reflete os corpos dos personagens, de maneira a duplicá-los na imagem); uma história pode ser apenas a repetição (ou a antecipação) de uma outra. É como se a mitologia desse espaço fosse como as estações naturais, como o ritmo de trabalho do campo: cotidiano e cíclico.

O dono dos meios de produção, o patrão, é uma outra fantasmagoria que parece tudo dominar. O "homem de branco da cidade" e esse patrão ausente parecem fazer parte de um mesmo universo que, mesmo próximo (porque tudo domina e em tudo parece querer se manifestar) é distante e misterioso. As filhas podem ser ao mesmo tempo filhas do pai biológico e dessa entidade de alhures, o "homem branco da cidade".

Os corpos, a pele empapada de suor das mulheres, o desejo que se manifesta nos olhares, nos enquadramentos. Existe a busca por uma sensorialidade, tanto do trabalho quanto, principalmente, do descanso, da noite, o momento do ensimesmamento, da rememoração, da cachaça, do encontro, ou de um ataque epiléptico na estrada deserta.

Os diálogos parecem desnecessários, exceto quando se transformam em monólogos, em sentenças ditas de forma peremptória, como "eu sei tudo da sua vida, mas você não sabe nada da minha".

O filme de Frederico Machado parece tentar equilibrar tradições que dificilmente conversam: o trabalho manual e a situação do sertão, o misticismo e a religiosidade, o sexo. Deixa a dúvida sobre que família é essa, sem identidade, sem mãe, talvez sem regra. Apesar de alguma deficiência, uma espécie de metáfora potente do país.

Aqui, a crítica de José Geraldo Couto no site do Instituto Moreira Salles.

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