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08 September 2013

frances ha (2012)


A palavra para descrever Frances Ha talvez seja "frescor".

Mas um frescor próprio, que não quer dizer "novidade" ou "originalidade", expressões à la século XX, hoje em dia banalizadas. Tal frescor vem, em grande parte, da interpretação de sua atriz principal.

Greta Gerwig é cativante como Frances Ha, uma espécie de Annie Hall contemporânea: a mesma graça, o mesmo jeito desengonçado, a mesma fala sem reservas e, muitas vezes, sem contenção. Por outro lado, as questões da personagem criada por Woody Allen são muito distantes das de Frances Ha, que, em mais de uma ocasião, se define como "pobre".

Espécie de nômade em sua própria cidade, sempre às voltas com as dificuldades para pagar o aluguel, Frances é herdeira dos mesmos problemas da geração Friends: jovens perto dos 30 anos, ainda sem estabilidade profissional e financeira, que precisam dividir apartamento e, às vezes, procurar um novo lugar. A esse repeito, o filme de Baumbach é dividido em cartelas que informam os sucessivos endereços da protagonista.

O mundo de Frances Ha é muito mais incerto e ambíguo que o de uma sitcom. O roteiro, assinado pelo diretor e pela própria Greta Gerwig, apresenta uma protagonista com certa ambiguidade sexual nunca resolvida; despudorada no verbo e pudica na ação; incerta em relação aos seus talentos; não raro inconveniente - especialmente depois de algumas doses de vinho ou vodca.

A incerteza da protagonista se mostra de maneira mais inequívoca em seu modo de falar sempre balbuciante, que hesita entre o que a personagem imagina que deve ser dito e o que ela efetivamente pensa. Dessa oscilação entre as pressões do mundo externo e os desejos, da impossibilidade de síntese entre esses dois universos, nascem as contradições e a força dramática da protagonista.

A fotografia em preto e branco mostra uma New York sóbria, distante dos luminosos turísticos da Fifth Avenue, próxima à tradição de certo cinema independente, que tem como tema os "losers" da América - vide os primeiros filmes de Jim Jarmusch. Se o cinema fosse uma ciência exata, uma possível equação para se definir Frances Ha seria "Annie Hall aterrissa em Stranges in Paradise". Mas, como o cinema é uma ciência extremamente inexata, há algo no filme de Baumbach que diz respeito ao tempo contemporâneo e seus ritmos.

O roteiro funciona à maneira dos melhores roteiros contemporâneos: ao invés do acúmulo de tensões que levam ao clímax ou do encadeamento de ações que levam à uma conclusão, Frances Ha flerta com o episódico. Cada breve aventura da protagonista parece não ter consequências em sua trajetória, acumulando-se como recortes em um álbum de fotografias, sucedendo-se como os endereços da protagonista.

As oscilações nos personagens e uma eterna falta de perspectivas, a certeza da fatura do cartão de crédito e do aluguel ao final do mês, a multiplicidade de relações estabelecidas em uma grande metrópole contemporânea, a busca de realização profissional num contexto economicamente inóspito, a busca por pequenas epifanias em intervalos do cotidiano (a dança solitária num parque da cidade, estampada no cartaz do filme).

Frances Ha é um filme raro.

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