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13 January 2010

éric rohmer (1920-2010)

Éric Rohmer morto.


Os obituários repetem: um cineasta da palavra. Ressaltam seu gosto pelos diálogos longos, seu talento para revelar (e esconder) os personagens através (atrás) das palavras.

Na verdade, Rohmer era o cineasta do descompasso: entre o que se vê e o que se ouve. Entre o que se acredita ser e o que se é. Entre o que se espera que aconteça e o que realmente acontece. Entre um personagem e sua época. Entre um homem e uma mulher.

Seus filmes são uma espécie de educação sentimental nos quais o amor é sempre desencontro, engano. A impossibilidade de amar nunca é maior que a impossibilidade de se conhecer a si mesmo.

Em meio a tudo isso, como sobreviver? Não nos restam "verdades", apenas algumas crenças (e muitas dúvidas). Resta o raio verde, que está lá, mas ninguém vê (ou que todos veem, mesmo sem estar lá). Resta o espaço que separa o toque do joelho de Claire. Resta a duração de uma noite na casa de Maud. Olhar, espaço e tempo que, mesmo não sendo verdadeiros, são tudo o que temos: um raio, um toque e uma noite que existem plenos de enganos e descompassos, nunca representando a mesma coisa para dois personagens. Fragmentos de vida, momentos, instantes que se acumulam sem necessariamente fazerem sentido.

O engano. Sons e imagens, pálidos reflexos do que somos: o cinema.

Rohmer foi o cineasta que, com a força de sua obra, mostrou a fragilidade da própria arte cinematográfica. Seus filmes compreenderam que a realidade não está fora, mas dentro de nossas mentes. O problema que se coloca então: como capturar essa realidade? Nesse sentido, quem chama Rohmer de "cineasta mental", talvez sem querer o esteja chamando de "realista".

Seu estilo ao mesmo tempo sofisticado e sem nenhuma afetação, o cuidado com que a câmera se aproxima seus personagens, a engenhosidade discreta de seus roteiros, a interpretação sem maneirismos de seus atores, a inventividade visual (vide o deslumbrante A inglesa e o duque): tudo isso o coloca entre os grandes do cinema.

Sua perda é ainda mais sentida porque era, ao lado de outros "veteranos" (Clint Eastwood, Manoel de Oliveira, Alain Resnais), um dos cineastas mais interessantes de nosso tempo.

A lacuna que resta é imensa.

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3 comments:

milu leite said...

oi! cheguei aqui via facebook do zé geraldo.
gostei do texto sobre rohmer. "o raio verde" é um dos filmes que mais gosto. há nele um silêncio desconfortável da personagem e esse silêncio nos chega justamente pelos ruídos excessivos, quase descolados das imagens.isto pra mim é também puro rohmer.

Fabio Camarneiro said...

Milu, bem lembrado. O Rohmer também usa muito bem os sons e os silêncios. Ele sabe orquestrar os diálogos e os movimentos, os silêncios e a música.
Fico feliz que tenha chegado até o blog. Espero que sua visita se repita sempre.
Um abraço.

Renata D'Elia said...

O Fabio, tudo bem? Que bom que o texto te esclareceu. Estava tudo muito tumultuado. Visitarei o Piva nesta quinta-feira, postarei mais notícias.

Em tempo: sou uma das autoras do livro-reportagem "Os Dentes da Memória - Uma Trajetória Poética Paulistana", sobre Piva, Willer, Franceschi e Bicelli. Sai pela Azougue Editorial dentro de alguns meses. Usamos teu filme como pesquisa. Que bom estarmos em contato! abraços

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