Avatar é superlativo.
À primeira vista, impressiona a inventividade visual do filme de James Cameron. Pandora, o planeta onde se passa a trama, é um universo de cores, formas e movimentos, tudo amplificado pelas imagens em 3D. A exuberância visual de Avatar pode ser assim resumida: CINEMA, em maiúsculas.
Pandora recupera o mito do paraíso perdido, lugar em que o contato entre homem e natureza ainda não foi conspurcado pela ganância ou pela máquina (representados pelos conquistadores terráqueos, uma raça de empresários capitalistas e militares).
Completando o quadro, temos o cadeirante Jake Sully, que ganha novas pernas (na verdade, um novo corpo e, ao final, uma nova identidade, um novo nascimento) ao entrar em seu avatar (um duplo criado a partir da tecnologia). Na construção de sua nova identidade, Jake abandona o humano rumo ao outro, ao estrangeiro.
O filme de James Cameron não está livre de contradições. Se em determinado momento Jake planeja abandonar os humanos e seu militarismo, para conseguir seu objetivo ele precisará lançar mão do mesmo militarismo (dessa vez, contra os humanos). Nesse sentido, Avatar se aproxima do western, mas sem a complexidade de um John Ford ou um Anthony Mann (que, em seus melhores filmes, mostram a civilização e a barbárie como as duas faces de uma mesma moeda).
Na oposição entre natureza e máquina (mote da sequência final de Avatar), o filme, em sua própria elaboração, escolhe a segunda opção. James Cameron repete o que já havia feito em O exterminador do futuro 2: criar um novo marco no uso de efeitos especiais, agora explorando a utilização do 3D e as possibilidades da projeção em alta definição (IMAX e que tais). Se o cinema sempre foi calcado na tecnologia, na máquina, Avatar leva essa equação às últimas consequências.
As contradições do filme (utilizar todas as possibilidades da tecnologia para fazer uma crítica às possibilidades tecnologia) não são exclusividade de Avatar: não é raro ver amantes da vida natural, aventureiros e exploradores da natureza que nunca abandonam seus computadores portáteis e celulares. A onipresença da tecnologia parece incontornável, logo a questão passa a ser: o que será feito disso? De um lado, existe o medo de que as máquinas se transformem, cada vez mais, em instrumentos de poder, como o Grande Irmão do livro de George Orwell.
Por outro lado, existe a utopia de que a tecnologia servirá para construir uma nova realidade social. Essa utopia new-age-tecnológica é o que alimenta Avatar, uma utopia tão mais eficaz quanto mais simplista e redutora. Cameron criou uma espécie de conto de fadas do século XXI: o casamento (sem arestas) entre os jogos de PlayStation e a ecologia, entre a floresta amazônica e o facebook.
Alimentado pelas contradições, apostando no grande espetáculo, apoiado em uma fórmula simples, clássica e eficaz, Avatar talvez dê algumas pistas a respeito do que será o cinema (e o entretenimento de massas) durante as próximas décadas.
Aqui, texto de Fernando Verissimo, na Cinética.
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31 December 2009
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2 comments:
tu pode me falar o quanto quiser desse filme. Eu não vou ver algo que só é bom porque é 3D e os bichos são azuis e as montanhas flutuam
gostei bastante do texto, Fabio!
Vou passar por aqui de vez em quando.
Abraço!!
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