O cinema já tocou nesse assunto de maneira invulgar. Lembro dois grandes filmes: um deles, A balada de Narayama (1983), de Shohei Imamura.
Em um vilarejo muito pobre, uma velha mãe, em idade avançada, aguarda o cumprimento de um antigo ritual: ao completar 70 anos, os velhos são levados ao topo de uma montanha e lá deixados para morrer.
A velha mãe prepara sua partida com grande zelo, como no poema de Manuel Bandeira:
consoadaApesar de saudável, a velha mãe exige que o ritual se cumpra. Não se trata de teimosia: ela sabe que, mesmo quando seus braços não puderem mais trabalhar, sua boca ainda exigirá comida. Não é a tradição que está em jogo, mas a sobrevivência material do clã.
quando a indesejada das gentes chegar
(não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
talvez sorria, ou diga:
- alô, iniludível!
o meu dia foi bom, pode a noite descer.
(a noite com os seus sortilégios.)
encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
a mesa posta,
com cada coisa em seu lugar.
O problema, enfim, não é a iminência da morte, mas o destino daqueles que sobrevivem.
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1 comment:
O oriente mais uma vez dando lições de dignidade. O que podemos encarar como mais aceitável: entregar nossa vida serena e conscientemente para a natureza, ou agonizar entubado e monitorado em uma superfaturada UTI do SUS???
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