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16 May 2013
somos tão jovens (2013)
Peço licença para comentar três trailers de filmes brasileiros exibidos antes de Somos tão jovens. Os dois primeiros parecem representar o que Guilherme de Almeida Prado (segundo o texto de Inácio Araújo na Folha de S. Paulo de 7 de abril de 2013) chamou de "globochanchada": comédias leves, calcadas em diálogos, com estilo de câmera e iluminação mais inspirados no modelo televisivo (planos fechados, iluminação geral, poucas sombras). São eles: Giovanni Improtta, de José Wilker, e Mato sem cachorro, de Pedro Amorim. O terceiro e último trailer era o de Faroeste caboclo, baseado na canção de Renato Russo - filme que, obviamente, busca o mesmo público de Somos tão jovens. Uma estética diferente aparecia em relação aos trailers anteriores: câmara na mão, iluminação mais escura e contrastada, ambiguidades flagrantes nos personagens.
A intenção desse preâmbulo não é retomar o debate sobre estilo "cinematográfico" versus estilo "televisivo". As linguagens tendem a se confundir cada vez mais (sendo que, no caso das comédias brasileiras, o modelo da TV parece ter sido vencedor). O que parece notável é como Somos tão jovens (e, quiçá, também Faroeste caboclo) se afasta do modelo "globochanchada" e mesmo assim mantém seu apelo popular sem necessariamente apelar a "conformações" de estilo ou ideias.
Em dado momento do filme, o Renato Russo de Thiago Mendonça assiste na TV à notícia da morte de John Lennon, apresentada por Cid Moreira no Jornal Nacional. Cenas mais tarde, Renato e o Aborto Elétrico tocam "Geração Coca-Cola": "Quando nascemos fomos programados / A receber o que vocês / Nos empurraram com os enlatados / Dos USA, de nove às seis // Desde pequenos nós comemos lixo / Comercial e industrial"... A oposição entre essas duas cenas mostra a complexidade das relações do Brasil com sua indústria cultural e, talvez, as dificuldades do cinema brasileiro com sua própria história: a morte do ídolo estrangeiro é vista em rede nacional (num canal que, à época retratada, era hegemônico), os adolescentes de Brasília sonham com o punk londrino mas, ao mesmo tempo, reclamam dos "enlatados / dos USA, de nove às seis". O rock de Brasília era isso: rock e punk, mas também o Brasil, a situação política da época, os anseios daquela juventude. Um pé lá, mesmo com os dois pés bem cá fincados.
Renato Russo talvez seja o exemplar mais bem acabado dessa geração justamente por ter encontrado o equilíbrio entre a influência estrangeira e a nacional (em uma cena do filme, aparece tocando uma música do mineiro Lô Borges). Aborto Elétrico e Plebe Rude eram bandas punk, Capital Inicial se tornou uma banda pop rock, mas a Legião Urbana era pós-punk e rock dos anos 80 somados à música brasileira. Algo parecido os Novos Baianos fizeram ao misturar psicodelismo e bossa nova. E antes, quando Antonio Carlos Jobim misturou jazz e harmonias eruditas à batida do violão de João Gilberto...
A cultura brasileira de massas, música e cinema em primeiro lugar, parecem sempre dependentes desse diálogo constante com as referências estrangeiras. Renato Russo, que ainda criança estudou por dois anos nos EUA, realizou esse casamento entre Brasília e o resto do mundo - ao menos no terreno da música popular. (Para sermos justos, poderíamos também citar Os Paralamas do Sucesso, músicos de maior envergadura, que misturava vários e diferentes ritmos, porém sem a força lírica das letras do líder da Legião Urbana).
Quem viveu os anos 1980 talvez lembre a devoção que os fãs tinham por Renato Russo. Suas letras, como repete o clichê, "retrataram sua geração", cujas preocupações oscilavam entre a política e os futuros do país e as relações amorosas e até espirituais (é no final da mesma década que Paulo Coelho começa a despontar como fenômeno literário). Nesse sentido, Renato Russo se torna um espelho para seus pares pela razão de ser extremamente confessional em suas letras, um cronista muito pessoal de uma época que é medida pela ótica de um indivíduo particular, que conseguia pensar, com igual atenção em suas questões individuais - a descoberta da sexualidade, por exemplo - e no contexto político. O clímax do filme revela esse lado confessional, ao mostrar que a letra de "Ainda é cedo" foi feita para a personagem que, no filme, funciona como confidente e par romântico feminino do personagem principal. Cabe lembrar que também há o par romântico masculino, Carlinhos, que simplesmente desaparece no meio da trama - como se fosse necessário falar da homossexualidade de Renato Russo, mas não houvesse interesse em se explorar essa traço da sua biografia. De acordo com o ponto de vista, pode-se pensar no retrato de Carlinhos como "delicado" ou extremamente medroso.
O filme é também uma espécie de romance de formação: parte das leituras e músicas que Renato admirava, a posição desconfortável que assumia na família e na sociedade, sua indignação com o ambiente hostil de Brasília e, claro, a relação com a indústria cultural (a parede de seu quarto é um mural de arte pop). Na estrutura do roteiro, não existe uma "evolução" rumo ao sucesso (mesmo que isso termine acontecendo). Não há um último golpe de sorte ou "momento decisivo" nessa trajetória. É apenas o vir a ser de um ícone da música brasileira. Talvez isso dê ao filme uma certa liberdade para oscilar entre a faceta musical e a pessoal do cantor, sem que uma necessariamente se sobreponha à outra, com Thiago Mendonça encontrando tons específicos para cada uma delas: a ironia (dita de maneira pausada, com as sílabas quase separadas, o tom próximo ao didatismo) como mecanismo de defesa (e arma de sedução, através de uma certa autodepreciação).
Antonio Carlos da Fontoura consegue filmar adolescentes a partir do ponto de vista dos mesmos e, assim, mesmo quando Renato faz idiotices tipicamente adolescentes (ao gritar no meio da noite para ser ouvido, por exemplo; ou quando briga com os pais), ele parece um tanto idiota mas, ao mesmo tempo, diferente, íntegro, corajoso. Fontoura filma com uma energia eminentemente jovem, a câmera na mão que se perde em uma roda punk, a atenção às interpretações das músicas, a força das baquetas de Fê Lemos em um show do Aborto Elétrico. Existe, sim, o que vários apontaram como defeitos: um certo esquematismo nas apresentações dos personagens (é sempre necessário dizer que "fulano é filho de embaixador" ou que "este é Dinho Ouro Preto") e uma construção pouco aprofundada do casal Manfredini, os pais de Renato. Porém, mesmo estes defeitos parecem resumir a frase de um dos personagens: "se você não acha bonito, não é punk"! É também através de suas imperfeições que Somos tão jovens atinge seu público, escapando da fórmula pronta, várias vezes repetida, das comédias enlatadas que "nos enfiam goela abaixo" quando pensamos no cinema brasileiro recente que, apesar de tudo, frente aos modelos estrangeiros, é apenas um adolescente que tenta fazer um acordo entre seus próprios desejos e as fórmulas que existem por aí.
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1 comment:
que bom saber desse blog! agora vou te ler sempre!
beijo,
aline
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