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17 January 2017

nocturnal animals (2016)


Saio da sessão de Animais noturnos e só consigo pensar nos óculos de aros imensos que Amy Adams usa para ler a novela que recebeu pelo correio do ex-marido... Fico me perguntando se - eu mesmo um adepto de armações mais pesadas - não estaria fugindo do filme em si, mas depois vou me dando conta que pelo contrário: aqueles óculos chamam tanto a atenção sobre si mesmos que acabam por se transformar em uma espécie de máscara - e eis um dos temas centrais do filme.

Nos talvez 20 primeiros minutos da projeção, enquanto vamos sendo apresentados ao mundo da personagem principal, transborda essa sensação um tanto entediante do excesso de artificialismo: uma mistura de publicidade de revista de aeroporto com catálogo de moda e design para o 1% mais rico do planeta. Não casas, mas maquetes; não pessoas, mas manequins; não rostos, mas - novamente - máscaras.

(Deve-se registrar também, para explicar o supracitado tédio, a aparente indecisão - e muitas vezes, a ineficácia - do diretor na escolha dos ângulos de câmera. os sucessivos campo e contracampo da festa, logo nas primeiras cenas, demonstram um descompasso entre mise-en-scène e montagem rara mesmo em estudantes de cinema...)

De volta à ideia da máscara (essa aparência artificial que poderia somar, mas que aqui parece apenas subtrair algo da "verdade" das coisas concretas) também acompanha a cena mais constrangedora do filme. Não a interessantíssima e inusitada sequência dos créditos iniciais, que provoca uma deliciosa reação de estranheza e surpresa, a própria sequência servindo de máscara a todo o resto da projeção, mas sim a cena da reunião de trabalho, em que um grotesco close de rosto feminino, com evidentes cirurgias plásticas, serve como exemplo de que "menos é mais" (algo que, afinal, parece contraditório em uma direção de arte tão agressivamente evidente).

Para além da história da moça rica e um tanto mimada que vive um casamento infeliz (por que não se divorcia?) enquanto relembra os sonhos e as culpas de um casamento fracassado (quando efetivamente se divorciou) de um casamento infeliz, temos o que há de mais interessante no filme de Tom Ford: a ficção dento da ficção, a história do pai de família em busca de justiça... ambos (o ex-marido na vida real e o pai da história ficcional) correspondem ao corpo do mesmo ator, Jake Gyllenhaal. A ficção como máscara da realidade ou vice-versa.

Nessa história dentro da história, surge o que Animais noturnos tem de melhor: Aaron Taylor-Johnson. A extrema ambiguidade de seu personagem, que parece nunca se definir (entre infantil e perigoso, assassino e inocente injustamente acusado), é a essência do que pode significar "máscara" em uma dimensão mais profunda.

Assim, acompanhar toda a perfomance de Taylor-Johnson (com ele imitando um gato na janela do automóvel, sentado displicentemente em um vaso sanitário ou mandando beijos lascivos já na sequência final) é o que transforma os jogos de superficialidade dos cenários e figurinos em um perigosíssimo jogo entre superfície (aparência) e verdade: temas caros à tradição cinematográfica.

Com grandes performances (Gyllenhaal e Michael Shannon, brilhantes), Animais noturnos poderia ser um grande filme sobre a dissimulação e o engano mas, ao mesmo tempo, um tolo desperdício de tempo na contemplação do vazio das aparências (algo parecido é o que Adams fala das obras que exibe em sua galeria de arte).

O fascínio deslumbrado com invólucros e superfícies e a vertigem do que pode haver de trágico sob essas mesmas superfícies são os polos que movimentam o filme de Tom Ford. Poderia ser um estudo sobre a representação e a dissimulação, mas seja talvez apenas um esboço para um comercial de armação de óculos.

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